segunda-feira, 28 de junho de 2010

MAGO


Foto por Fernando Campanella

...mas as pessoas da sala de jantar
essas pessoas da sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer...
(Mutantes)

Lá vem o dono da arte
de fraque açafrão
e cartola chinfrim.

Lá vem o mágico
da Cia. das cores
da estrepolia dos sons
que rima coração com abóbora
e reconcerta os tons.

Quanto lhe dão
por um assombro de imagem,
pela pantomina dos sonhos?
(Talvez o mundo, um ‘ não, obrigado’
Ou um pontapé no selim.)

Que importa?
O mago o que é?
É ladrão de beleza,
é revelia.

É também clown
que pirueta a tristeza
solta pum
e cheira a capim.

Fernando Campanella, 1998

Pesquisando vídeos para esta postagem, deparei-me com 'Panis et Circenses', dos Mutantes, e ouvindo a música foi todo um passado ( final da década de sessenta/início dos anos setenta) despertando em mim.
Que poder tem a música de evocar vivências! No caso especial dessa canção ouvida hoje foram uma época, um sentimento de mim, do mundo, reavivados.

Tempos tenebrosos aqueles no Brasil, politicamente falando. A ditadura em pleno domínio de corpos e mentes. E, na contrapartida, a mais bela irreverência e a renovação na MPB, com as presenças de Caetano, Gil, Gal, Bethania, Chico Buarque, Vandré, Ney Matogrosso, Os Mutantes...

Bem-vindas foram a juventude e a coragem daquela arte, trazendo a leveza, e também o protesto, a contestação dos valores autoritários arraigados na mentalidade patriarcal de nosso país.

Houve mudanças desde então: abertura política, outras visões e posturas. Porém, muito há, ainda, por se fazer, , a evolução, segundo me parece, é um processo, não um fim em si própria.

'Panis et Circenses' permanece incrivelmente jovem, tão válida naqueles tempos como agora. Nos dois vídeos aqui apresentados, temos duas leituras mais atuais da música dos Mutantes. O primeiro nos traz um ótimo trabalho feito por alunos da Univali (Universidade do Vale do Itajaí); o segundo é um vídeoclipe com a interpretação de Marisa Monte.

A arte não tem idade, e que assim seja com nossos corações.


http://www.youtube.com/watch?v=VPN4lwVcZLo

quinta-feira, 24 de junho de 2010

...É O VERBO


Foto por Fernando Campanella

No princípio é o caos
e a poesia se faz cosmo
e habita dentro de mim

sempre a mesma gênesis:
premer o útero das sombras
para a explosão secreta -
a graça de alguma luz.

Fernando Campanella, 2010

Vídeo: Wim Mertens, 'Struggle for Pleasure'.

sábado, 19 de junho de 2010

AVE, TAO


Foto por Fernando Campanella

"Tu não me dominarás, tristeza! Ouço um canto suave através das lamentações, dos soluços. Um canto cujas palavras invento a meu talante. Um canto que me fortalece o coração quando o sinto prestes a ceder...
...Erguer tua fronte e permitir enfim que teu coração se encha não mais de ódio e inveja, mas sim de Amor! Sim, permitir enfim que todas as carícias do ar, os raios do Sol e todos os convites à felicidade te atinjam..."

(Excertos de 'Os Frutos da Terra, André Gide)

Ame o belo,
ame o tosco,
ame o pai,
o filho,
ou o espírito de louco.
Mas ame.

Ame cedo, sob alegrias de Vésper
ou já sob escombros de ossos.

Ame o conhecimento do amor
e as formas de amor
o amor frater
os mil amores.
Ame o amor que já ousa dizer seu nome.

Abra-se a toda delicadeza despida
ao peixe exato
(vide a cópula dos sapos, vide o cálido ninho).

Ame réptil, ame erectus, ame sapiens.

Mire-se em beleza e pó de anatomias fugidias.

Ame Sírius, a luz difusa, e as Graças
- e a asa errática do Espírito sobre as águas.


Viva o dia, mais o estrondo – e o arcano
a sete chaves embutido na casa dos sonhos.

Ame símile, ame díspar, ame incondicional.

Ama et labora.

Salve, Paz do Deus dos homens,
Ave, Tao.


Fernando Campanella, 2006

Os vídeos abaixo apresentam a música de Santiago de Murcia,guitarrista e compositor espanhol(1673-1739). Segundo informação da BBC ,através do site de consulta 'Wikipedia', um dos aspectos importantes da música de Murcia foi o seu interesse por uma grande variedade de música para guitarra, pré-existente à sua época, incluindo a dos espanhóis, franceses e italianos, assim como em formas de dança popular, provavelmente originárias da África. Sua obra nos oferece um rico e variado panorama do repertório barroco para guitarra ( violão).
(BBC, Wikipedia, tradução por Fernando Campanella)



segunda-feira, 14 de junho de 2010

PRESENTES DE MINHAS AMIGAS (PRESENTS FROM MY FRIENDS)


Trabalho com foto/poemas por Leila Laderzi

Trabalho realizado e ofertado por minha amiga Leila Laderzi com minhas fotos e meus poemas em inglês. Uma vez aberta uma foto individual, clique no lado direito do mouse e vá a
'Go full screen' (Tela grande) para melhor visualizar o belíssimo trabalho de minha querida amiga.

Muito obrigado, Leila.


(Webdesigning work done and offered to me as a present by my friend Leila Laderzi with my poemas written in English. Once you open an individual photo, press on the right side of the mouse and go to 'Full screen' for a better, enlarged view.

Tks a lot, Leila.)

domingo, 13 de junho de 2010

RESPONSO (A SANTO ANTÔNIO)


Foto by Fernando Campanella

...Vereis fugir o demônio
E as tentações infernais...
(Responsório de Sto. Antonio, popular)

a bênção, meu 'véio' Antônio,
de Pádua, de Lisboa
do amparo, dos montes
das tentações infernais

(da minha estrela
da minha noite primeira)

do Itaim
do meu berço

das entranhas
das Minas Gerais

Fernando Campanella


Ouça Maria Bethania cantando 'O que seria de mim sem a fé em Antonio?'.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

LUZ CADENTE


Folhas de Outono
Foto por Fernando Campanella

...as folhas mortas com a pá recolhidas...

e o vento do Norte as leva

dentro da fria noite, esquecidas...

(As folhas mortas, Jacques Prévert)


Serão miragens
aqueles tons em cobre
ondulando em folhas na tarde?
Meus olhos devem andar poéticos
ou delirantes
ou mais febril a minha percepção
que entende que os animais respondem
às nuances que a luz da tarde concede.

Luz e folha devem ter naturezas atadas
em delicado, intraduzível elo
que traça o pássaro ao ninho.
Não sei.

O que para as aves deve ser
algo como arbóreas núpcias
em mim é um degredo em ecos,
um vago ruflar de um sentido.

Minha razão nada pode
contra a luz cadente
que vela e desvela
aquele tom amêndoa -
ferrugem quase dor
quase leve -
que a alma agora consente
e que de volta
à presciência do mundo
ao ninho da terra
vai me cumprindo.

Fernando Campanella, 2006


Duas opções de música para esta postagem, duas leituras sobre o mesmo tema:



sábado, 5 de junho de 2010

EM SEDA, BACH E A LUA DE LI PO


Foto by Fernando Campanella


EM SEDA

Por esta luz que me alumia
e me inventa em seda a estrada

entre a arte, alívio da memória,
e o mais trêmulo aceno do nada

- se com o mundo me acertei,me dasavim
já nem sei -

sou o que perdidamente
tomou rumo de mim.


Fernando Campanella, 2010




Há uma implacável dinâmica no tempo que nos faz eternos perdedores do presente, tecelões e ao mesmo tempo desfiadores da memória. E a memória se presta a isto: a desfilar seus fantasmas. Por isso ela é melhor rediviva na arte. A arte que, para mim, é a sìntese, a reconstrução possível, a recuperação sonhada, e eu diria , quase, a felicidade, mas esse conceito me escapa. Fico com a satisfação interna, com a possibilidade.

(Fernando Campanella)

A LUA DE LI PO

(BEBO SOZINHO AO LUAR)


Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou o único a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à Lua:
com ela e a minha sombra, ja somos três pessoas,
Mas a Lua não bebe, e a minha sombra imita o que faço.
A Sombra e a Lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a Lua vacila.
Quando danço, a minha Sombra se agita em redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
depois, cada um vai para a sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
nossos encontros são na Via-Láctea.


(Li Po, tradução de Cecília Meireles)




terça-feira, 1 de junho de 2010

ESTRELA DA TARDE, DOIS MOMENTOS


Foto by Fernando Campanella

I
NATUREZAS

Já não me iludes,
estrelinha mimada e arredia,
não me sabes, nem me sentes,
por que então na toca da noite
eu , romântico, te buscaria?

És o mesmo que qualquer coisa,
que tanto fez, como tanto faz,
qualquer dia que já tarde indo
nenhum trato outro dia me traz.

Tens das formigas a natureza alheia
e, malgrado tua luz, a inconsciência fria.

És, sim, algo qualquer, um pó errante,
um limão de que eu bebesse o sumo
só para fruir o teu azedo instante.

Nem mesmo vês que agora sou como tu,
um cego de ti, uma bela viola,
um falso diamante.

Fernando Campanella, 2006
II

FAC- SÍMILE

Estrela, minha Alfa Centauro,
ou uma outra qualquer
a inumeráveis anos-luz de indiferença,
sou um terráqueo instável , nem me sabes,
mas gosto de à noite deitar-te em meus olhos,
cansado das luzes nervosas onde me lavro.

Estrela, meu astro reinventado,
por que assim enternecido de ti me enamoro,
na funda noite exorcizado ?

Serias como humanos
que de longe nos encantam
trazendo de perto o cheiro de entranhas,
o encadeamento dos hábitos?

Apascentarias ovelhas à tua órbita?
Saberias da duração de tua glória?

E se eu te tocasse
e te dissolvesses em absurdos ares?

Se eu te devorasse , terias de mim próprio
a consistência mesmíssima de um pó,
a fragilidade de um pirilampo
- tudo tão simples fac-símile de tudo,
tão em si mesmo desmitificado?


(Estrela, tua terna esfinge me basta.)

Fernando Campanella, 2007