segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ESTRELAS HÃO DE LEMBRAR


Foto by Fernando Campanella


O mar me ultrapassa.
Mas ondas haverão de contar
Aos ouvidos que lá pousarem
Que um dia sonhei no mar.

O céu não vai se importar
Quando eu monge de meu hábito partir.
Mas estrelas enquanto restarem
Hão de lembrar
Que um dia me puseram feliz.

A terra , é fato, há de me subtrair.
Mas a árvore que me deitou raiz
E as cores
Que em meu tempo colhi
Estas eu levo comigo
Ninguém há de tirá-las de mim.

Fernando Campanella

PAISAGENS


Foto by Fernando Campanella


Candeeiro à beira da estrada
paisagens de neblinas e comas.
Cheiram mimos de melissa
dormem casas sombreadas
pupilas nortunas voam.

Coração circunspecto de Minas,
bate em noite
bate em dia
abre uma artéria em mim.

Fernando Campanella




JUNTO DE HERMANN HESSE


Foto by Fernando Campanella

As chuvas de março já começam a ensopar os jardins, a quase transbordar os rios. As tardes de março se tornam mais leves, já se aliviando do calor que se despede lentamente.Tardes para vôos de bicicleta, mergulhos em nervuras de folhas outonais, incursões no sempre renovado coração da natureza.

Como Minas está arraigada em mim! E ainda que sensação de estranhamento e exílio! Meus olhos se enchem de montanhas, copas de árvores, sibipirunas e capins. E seguem as comunidades voantes das garças, recortes brancos itinerantes contra o céu. Despejando seus últimos pingos de ouro nos pastos, o sol realiza a alquimia final do dia. E Minas ainda resiste.

Acodem-me à mente memórias do mundo, de mim. Lembro, vivo lembrando. Mas melhor agora estancar este fluxo perpétuo de imagens, embarcar nesta solidão da quase-noite. A primeira estrela já pulsa o olho neutro indecifrável.Melhor ainda, quem sabe, trazer à alma o consolo universal do Tao:
“...E no entanto, sossega meu coração. Tu vives no seio da mãe do universo.”

E espalhar pelo corpo uma fina onda de trégua e paz. Ouvir sinos longínquos, ver luzes de casas pequeninas engastadas nas serras, ou até mesmo pintar aquarelas fluidas mentalmente. Ou procurar alguém , algum ser, com quem compartir esta tarde. Mas quem viajaria assim tarde a dentro? A cidade arde suas luzes, regurgita seus ruídos e vaidades, lustra suas armaduras cimento e vidro. A cidade já encontrou o que lhe basta e consuma-se em seu próprio tempo.

Vejo, ao longe, no cimo de uma montanha, uma torre de televisão, delicada como um brinquedo. Queria pintar uma aquarela, agora de verdade, neste momento, ilustrar um livro de meus poemas, de minhas miúdas andanças. Depois, beber copos e mais copos de vinho, desabotoar os meus grilhões de Minas, e rir, rir, rir de tanta beleza e amenidade. Ah, sim, junto de Hermann Hesse.

Fernando Campanella, 13.03.1994